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Boemia

by Radio Diaspora

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O João 03:23

about

Uma reza talvez seja a definição que mais se aproxime da filosofia de ‘Boemia’. No entanto, aqui, o templo sagrado se faz na roda de samba, daquelas germinadas no final da década de 1970 na cidade do Rio de Janeiro, quando os reverendos eram sambistas experimentais de fato, e levavam o grito do subúrbio para todo o país reinventando os modos de existir no mundo.
Este álbum nasce, portanto, de um fascínio, de uma reverência, e reúne importantes signos de sonoridades ancestrais que aqui ganham contornos outros e se firmam na bateria febril de Wagner Ramos e nos labirintos dos sopros de Rômulo Alexis, qual uma espécie de crônica poética a nos colocar em contato direto com outros conceitos em torno do Tempo. Boemia vai ao encontro de antigos deuses forjados na força coletiva da invenção. Para isso, o duo cose, cada um à sua maneira, uma atmosfera de tons orgânicos e simbióticos, algo que beira o abismal: uma dança que atravessa o processual e a confiança.
A Radio Diaspora naturalmente se volta para o amanhã ao tempo em que mira o pretérito, e o faz ostentando uma ética experimental repleta de fluidez, já que os fenômenos que os orientam envolvem soltura. E então brincam. É quando o fascínio se torna um princípio, e cria caminhos para atravessar rios de conduta eletrônica num disco que possui certo caráter autobiográfico, nascido de um instrumental que, comparado às obras anteriores, soa mais fluido, com um andamento melódico-harmônico onde há menos vozes, repleto de elementos percussivos do samba como, por exemplo, o repique de mão.
A primeira manifestação do que viria a ser este álbum se deu porque Wagner andava desconfiado que sua bateria estivesse lhe exigindo uma concepção emocional que funcionasse como um “bater de cabeça” para a verve do samba carioca. Ele não arredou ao chamado, isso porque desde os 15 anos frequenta o Rio de Janeiro e a cena desses bambas sempre esteve em sua mente — muitas vezes servindo como verdadeiros guias da noite pelas ruas da cidade. Wagner teve a coragem de encarar seus caminhos-sankofa, entretanto, foi preciso tempo. Para ele, este cenário se apresenta como uma linha cronológica que o levou a amadurecer musicalmente. Um portal afetivo de onde brotavam histórias fabulosas de um Rio escuro e complexo, exigindo assim, do duo, temperança.
Foram sete anos até que a ideia deste disco e seus componentes estivessem realmente maduros. Talvez por isso ‘Boemia’ tenha um espírito que considero litúrgico, no sentido de exigir do duo uma maturação que compreende toda vida. No Candomblé — para trazer uma comparação negro-litúrgica — um neófito somente acessará certos mistérios do rito ao completar os sete anos de feitura. O samba, como diz Romulo, é um beat primordial que habita o corpo negro brasileiro, como um solo, uma base fundamentada em imaginações orgânicas sob infinitas formas de atravessamento. De modo que, em uma roda de samba se faz, na verdade, uma espécie de iniciação em que os segredos da vida nos serão contados sob auspícios de criatividades demasiadamente radicais. Faz muito sentido, então, que a Radio Diaspora considere esse o disco mais importante de sua trajetória.
Foi na justa medida do tempo que se deu o parimento deste que representa o encontro da experimentação taciturna da Radio Diáspora com os traquejos noturnos da Vida Boêmia de João Nogueira, o Pagode pé no chão da Beth Carvalho, as Fantasias de Roberto Ribeiro, as poderosas baterias dos mestres Wilson das Neves e Marçal, e todo o universo mágico e político da Lapa. Universo este tema de conversas que Wagner ouvia quando menino enquanto seus tios tomavam cerveja e mergulhavam nos discos que aqui deslocam-se da memória afetiva e ganham os contornos de uma ode.
Gravado no estúdio Orí num único take, sem interrupções, sem conversas prévias, e preenchido com experimentações nascidas a partir das células decompostas de famosos sons dos antigos estudos de ouvido, Boemia remete a um tempo em que tudo nascia na roda de samba. Um tempo em que a bateria recriava linguagens levando a música dos subúrbios para o mercado fonográfico, transformando-o em ofício por seu caráter popular e pela arte que se firmava no país. Aqui se louva experimentações concretas do Fundo de Quintal e o reencantar da intelectualidade rueira que foi reconhecida como experimental justamente pelo seu processo de construção sonora: os músicos reunidos no estúdio deixando a liberdade fluir, porque sabiam que metrônomos jamais poderiam caber na voz e no corpo de Clementinas e Martinhos.
Certa vez ouvi de Rômulo um pensamento do músico e pesquisador George E. Lewis sobre a improvisação nos levar a saber onde estamos e onde estão os outros, e também a se desenhar como um lugar onde se aprende sobre si ouvindo as respostas destes outros. Assim, a improvisação se torna uma prática crítica, bem como um meio de afirmação estética. Boemia fala também sobre isso, e se curva a um tempo em que os poemas-composições nos tocavam como os louvores e soavam enredos fantásticos; verdadeiros portais de improvisações audaciosas cientificamente estruturadas na vivência e na malandragem negro-brasileiras. São esses os portais que aqui invocamos ao “bater cabeça” à toda Vida Boêmia — terrena e espiritual —, partindo da compreensão e do respeito pela ética do samba, posicionando-o num lugar sagrado, um ontem-futuro banhado em rios de ritualizações.


Nathalia Grilo
Tijuca, RJ
15 de Fevereiro de 2024

credits

released February 29, 2024

Wagner Ramos - bateria, percussões, samplers e outros elementos eletrônicos
Romulo Alexis - trompete, outros sopros, percussões e eletrônicos

Gravado no Estúdio Ori /SP em Julho de 2023
Mixado e masterizado por Igor Souza no Estúdio Mitra /SP
Capa por Rosangela Vicente
Foto: Jéssica Senra

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